INTERVALO INAPREENSÍVEL
Entre o tédio e o relâmpago,
o poema é um passo de dança sobre o abismo.
Quem o tenta decifrar carrega um fardo de areia,
e o vento, irmão do tempo, já o dissipou.
Escrevo com cinzas.
Você lê com fome.
No instante em que os olhos se encontram,
o verso é quase um ser.
Meu poema é um trem descarrilhado,
um disco não gravado
sentido com saudade no meio da festa.
Você tenta guardá-lo
nos quereres que vão além da alma e da mente,
mas ele é feito de fumaça e não de pó.
É feito do que não existe
A canção que canto agora
já não é nem saudade.
O verso é o intervalo
entre a brasa e o dedo queimado.
Eu assopro a fumaça e ele vira lenda,
se mistura com o cheiro dos cajueiros.
Moço, isso não é tudo
Somos bem mais que poeira de estrela
O papel? Um terreiro sem feitiço.
A palavra certa sempre escapa
como um cavalo sem donos no sertão.
O poema estrondoso
é o que se reconstrói do sangue
pingando de faca e de bala na periferia
O que dorme no dente do lobo,
no instante antes da redenção.
Você lembra agora?
Já é tarde.
Ele só existe
— no silêncio entre dois trovões.
Este poema existe apenas
no intervalo entre dois pensamentos
Ao tentar formulá-lo, você o apaga
Eu o escrevi agora
Você já o esqueceu.
Site Franklin Mano
Enviado por Site Franklin Mano em 11/08/2025