Há dias em que o espírito protesta, cansado do excesso — e é nesse cansaço que, às vezes, nasce a lucidez mental.
O homem ideológico e dogmático, demolidor natural de pontes e admirador de abismos, vive distraído entre ruínas arquitetônicas e relógios imprecisos, colocando culpa, ansiedade e frustração em suas experiências cotidianas.
Mas, para alguns, há um instante — raro e imperdoável — em que ele percebe: viver não é administrar ou acumular horas; é imantar o tempo de sentido, é garimpar o efêmero.
Pouquíssimos conseguem compreender que é preciso rasgar as vestes da rotina e, nu diante do existir, perguntar-se de forma minuciosa e lúcida:
Quantos segundos do meu dia resistirão à decomposição da afetividade, da reputação e das memórias após minha partida? Terei direito e privilégio ao esquecimento, ou serei condenado e seguirei violado no campo de concentração dos lembrados?
O essencial não grita nem sussurra. Mas habita o olhar que se demora, o gesto que redime, o silêncio que educa. Nos resquícios primitivos de sensibilidade que carregamos — daqueles que almejaram, sem prerrogativas, a eternidade.
Libertar-se não é romper correntes — é cessar a servidão ao que não oferta liberdade. Mas é preciso compreender: muitos dos que clamam por liberdade nutrem, no fundo, a ambição feroz de também serem escravocratas.
Poucos escolhem a simplicidade, porque escolher o essencial é um ato de coragem e rebeldia pedagógica; é desaprender-se institucionalmente para reaprender-se humano e, de forma agradável, integrar-se brevemente ao social.
Mas a brevidade e a eternidade — será que se medem em anos ou em intensidades?
Depois que putrefamos, o que durará mais: as heranças genéticas, as culturais ou as afetividades?